De quem é a culpa pelos problemas do Brasil?'

Uma sociedade é estruturada de forma que as relações sociais sejam estáveis e a possibilidade de se prever os comportamentos estabelecidos, tanto pelo controle social quanto pelas normas que "instituem" certos comportamentos. Tratando-se de pessoas, é praticamente utópico acreditar num comportamento "modelo" ou "padrão" em que todas "regras" e "normas" sejam plenamente seguidas. A intolerância, a insatisfação, a corrupção, os conflitos e até mesmo a "culpabilidade do outro" são aspectos presentes na realidade e intrínsecos ao comportamento humano. Assim, todos os dias presenciamos alguns "deslizes" interferentes nas relações sociais: a possibilidade de obtenção de lucro fácil, vantagem pessoal, ascensão social ou política e dentre outros privilégios. Por outro lado, os comportamentos "extraviados" muitas vezes podem ser descritos de uma outra maneira, travestidos na incompetência, na negligência, no descaso e no desmando de pessoas ocupando o cargo ou função incompatíveis com sua capacidade ou desprovidos de bom senso. Na crise econômica desencadeada pelo mercado imobiliário americano, de quem é a culpa? Ah! É do capital especulativo. No processo de "salvamento" da economia mundial, trilhões de dólares se perderam e outras dezenas foram em socorro às instituições financeiras e até montadoras de automóveis. Nesse caso de obtenção do lucro fácil, ou seja qual for o "deslize", esse dinheiro seria quase suficiente para acabar com a fome no mundo seja, na América Central, África ou qualquer região inóspita ao capital financeiro. Com certeza, nas cenas chocantes de crianças comendo biscoitos de feitos de barro no Haiti, por não terem o que comer, não podem ser elas as culpadas. No desmatamento evidente na Amazônia, na grilagem de terras e nos crimes ambientais, de quem é a culpa? É devida às dimensões continentais de nosso país. A boa vontade e empenho em coibir tais abusos escondem-se na falta de estrutura capaz de enfrentar de igual para igual quem leva vantagem com este delito. Com número insuficiente de agentes fiscalizadores, na ausência de suporte técnico e até proteção policial, o mínimo para uma região tão rica e importante. Com certeza a culpa não é da Irmã Dorathy ou dos ribeirinhos que vivem numa total ausência de bens sociais mais básicos, tais como educação e saúde. Nas câmaras de deputados, no Senado Federal, nos bastidores da política e até mesmo nos atos secretos que nomeiam parentes ou "namorado da neta", de quem é a culpa? Seria do povo? Endógeno aos labirintos do poder repousa o ranço da política patrimonialista e paternalista, onde o clientelismo e o nepotismo, bem próximo ao parasitismo quase comum no Estado capitalista, denunciado por Marx no 18 Brumário, é pratica comum. Diante do exposto, não é só na ingenuidade do eleitor que reside os males da política. Na episteme estão os oportunistas de plantão, no desejo incontrolável de levar vantagem em tudo e de apropriar-se ou achar que o público não é de ninguém. Com certeza, a culpa não está nas crianças ou nos milhões brasileiros que, muitas vezes, se sacrificam para pagar rigorosamente seus impostos em dia (diga-se de passagem, não são poucos) e, por consequência, não serem penalizados. Nos pífios resultados da nossa educação frente ao cenário mundial, nas escolas sucateadas e no mal-estar docente e discente, de quem é a culpa? É das políticas neoliberais assentes num Estado mínimo e restrito, inclusive com relação às responsabilidades. O dualismo presente nos currículos (educar para vida ou para o trabalho?), o descumprimento e, muitas vezes, o desconhecimento do Projeto Político Pedagógico, no modelo gerencial adotado, nas cascatas de avaliações que desconsideram o regionalismo e as prementes necessidades de cada região e dos educandos, na comparação da escola a uma empresa na qual o aluno é um produto, na má formação dos professores (que ganham pouco), na gestão pouco democrática e na busca desmedida por resultados e imposição de metas. Com certeza, a culpa não está só no professor, e nem tampouco no aluno. Nos condicionantes citados, depreende-se, que o campo educativo afasta-se de seus princípios legitimadores (desalienar, diminuir as diferenças sociais e proporcionar igualdade de oportunidade) que, em tese, deveriam contemplar as dimensões políticas, econômicas, jurídicas e culturais concatenados com as transformações sociais e com a realidade em movimento e, sobretudo, proporcionar aos educandos o exercício pleno da cidadania. De fato, nos "deslizes" apontados trafegam todas as incongruências da sociedade. O pêndulo social, cada vez mais distanciado, imperiosamente condena ou absolve, privilegia ou exclui, decreta ou sucumbe e tantas outras dicotomias. Na verdade, a culpa é sua, é minha, é nossa, deve ser do Romário também, que em muitas situações nos omitimos, nos calamos e deixamos de lutar, não exigimos nossos diretos e condenamos quem não pode ou não sabe se defender.
Leitor jornal o globo

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