Corrupção: Uma ameaça global

O autor contratualista inglês do século XVII John Locke afirma em sua obra Segundo Tratado do Governo Civil: “Se não houvesse a corrupção e o vício de homens degenerados, não seriam necessárias outras leis a não ser a lei da razão para guiar as ações humanas.” Na visão liberal de Locke, o próprio Estado Político, nem suas leis civis, não seriam necessários, se todos os seus membros fossem guiados pela razão. Representante do jus naturalismo moderno, o jurisconsulto holandês Hugo Grotius autor do Tratado da Guerra e da Paz, define a lei da razão, também chamada lei natural, lei universal ou ainda lei perpétua, como um princípio fixo de conduta que tem por finalidade regular as ações humanas: “A lei natural é portanto a lei da consciência moral, da obrigação moral, da razão, do livre arbítrio e portanto é exclusiva do gênero humano” Nesse sentido, a lei de natureza, ou seja, a razão humana, no sentido cartesiano de bom senso, seria plenamente capaz, de, por si só, distinguir o justo do injusto. A corrupção, mal que já havia destruído a democracia ateniense no século IV a.C., conduzindo-a ao governo dos trinta tiranos, é hoje entendida como um tema da agenda global, representando uma violação do direito humano ao desenvolvimento dos povos e uma ameaça à credibilidade das instituições políticas e ao Estado democrático de Direito. Corroendo a própria democracia, a corrupção representa um grave obstáculo à realização dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio propostos pelas Nações Unidas para serem alcançados até 2015. Além do sentido mais amplo de desvio de recursos públicos, há muitas outras formas de corrupção, tais como: abuso de poder, conflito de interesse, enriquecimento ilícito, fraude, improbidade administrativa, lavagem de dinheiro, nepotismo, pirataria, prevaricação, suborno, “jeitinho”, “lei de Gerson”, tráfico de influência, troca de favores, exploração de prestígio, dentre outras.
Ao papel da ética na administração pública, como instrumento de prevenção da corrupção, deve-se somar muitos outros mecanismos na promoção da boa governança, base do fortalecimento do processo democrático. Dentre eles, destacamos a transparência, a integridade, a participação e o controle social, o desenvolvimento sustentável, o livre acesso à informação, a prestação de contas, os recursos do governo eletrônico, a educação política, a redução da burocracia e as boas práticas de conduta na administração pública, explicitadas nos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e demais princípios, tais como, dignidade, urbanidade, probidade, honestidade, etc. Signatário da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, o Brasil, desde 2006, está comprometido, perante seus pares na comunidade internacional, a promover, dentre outras recomendações, a integridade, a honestidade e a responsabilidade entre seus funcionários públicos, além de implementar códigos ou normas de conduta para o correto, honroso e devido cumprimento das funções públicas. A promoção da educação política, da transparência pública e da cooperação internacional é também ressaltada pela Convenção, único instrumento global de combate à corrupção. Apesar dos reconhecidos esforços do governo brasileiro em desenvolver ações de promoção da ética e combate à corrupção e da crescente conscientização política da população, o país continua ocupando uma posição intermediária, nos treze índices de percepção da corrupção publicados até o momento pela Transparência Internacional, organização não-governamental com sede em Berlim, que, desde julho de 2007, não está mais vinculada à Transparência Brasil, por decisão desta última. A pesquisa da Transparência Internacional revela que a credibilidade nos políticos e nas instituições políticas brasileiras, onde o bem público tem sido com freqüência, atropelado por interesses pessoais e/ou político-partidários, permanece ainda muito abalada perante a opinião pública. Gerando ceticismo generalizado, a falta de credibilidade, impede o fortalecimento da participação e do controle social no exercício da cidadania, o que, por sua vez, prejudica o processo de combate à corrupção. Em pesquisa que pretende medir os custos econômicos da corrupção, a Federação de Indústrias do Estado de São Paulo recomenda, além da redução dos gastos públicos, a criação e fortalecimento de mecanismos de prevenção e controle da corrupção na administração pública e a redução da percepção de impunidade por meio de uma justiça mais rápida e eficiente.
Por Lígia Pavan Baptista
Doutora em Ética e Filosofia Política, Universidade de São Paulo

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